Influência do Espiritismo sobre a condição da Mulher
Na Associação não deixamos passar aquele que no calendário foi assinalado como o dia da mulher, data que servirá por tempo determinado, para convidar à reflexão de uma sociedade em mudança. amanhã não fará mais sentido, pois homens e mulheres ver-se-ão com a igualdade que carregam em seu espírito e não como diferentes no género com que reencarnaram na ultima existência.
Esta publicação está a ser feita com alguns dias de atraso, o que não é significativo dada a pertinência do tema "Influência do Espiritismo sobre a condição da Mulher".
É muito interessante perceber que não é apenas hoje, que podemos encontrar no Livro dos Espíritos os esclarecimentos necessários para compreender a igualdade de todos nós perante Deus, a importância de reencarnarmos em sexos diferentes para nossa evolução,...
Podemos ao ler a Revista espirita de 1866 e 1867 acompanhar o que foi a influência do Espiritismo na mudança da condição da mulher naquela época. época em que os adeptos do Espiritismo, os leitores das publicações de Kardec, eram homens influentes na sociedade, de onde era necessário partir a mudança.
Convidamos a que leia na integra a publicação de janeiro de 1866, para que admirem a subtileza com que Kardec começa a levantar questões e a conduzir a uma reflexão para a qual fornece material de elevada pertinência.
"As Mulheres têm Alma?
As mulheres têm
alma? Sabe-se que a coisa nem sempre foi tida por certa, pois, ao que se diz,
foi posta em deliberação num concílio. A negação ainda é um princípio de fé em
certos povos. Sabe-se a que grau de aviltamento essa crença as reduziu na maior
parte dos países do Oriente. Embora hoje, nos povos civilizados, a questão
esteja resolvida em seu favor, o preconceito de sua inferioridade moral
perpetuou-se a tal ponto que um escritor do século passado, cujo nome não nos
vem à memória, assim definia a mulher: “Instrumento de prazer do homem”,
definição mais muçulmana que cristã. Desse preconceito nasceu a sua
inferioridade legal, ainda não apagada de nossos códigos. Durante muito tempo
elas aceitaram essa submissão como uma coisa natural, tão poderosa é a força do
hábito. Dá-se o mesmo com os que, votados à servidão de pai a filho, acabam por
se julgar de natureza diversa da dos seus senhores.
Não obstante, o
progresso das luzes resgatou a mulher na opinião. Muitas vezes ela se afirmou
pela inteligência e pelo gênio e a lei, conquanto ainda a considerasse menor,
pouco a pouco afrouxou os laços da tutela. Pode-se considerá-la como emancipada
moralmente, se não o é legalmente. É a este último resultado que ela chegará um
dia, pela força das coisas.
Ultimamente
lia-se nos jornais que uma jovem senhorita de vinte anos acabava de defender o
bacharelado com pleno sucesso perante a faculdade de Montpellier. Dizia-se que
era o quarto diploma concedido a uma mulher. Ainda não faz muito tempo foi
agitada a questão de saber se o grau de bacharel podia ser conferido a uma
mulher. Embora a alguns isto parecesse uma monstruosa anomalia, reconheceu-se
que os regulamentos sobre a matéria não faziam menção às mulheres e, assim,
elas não se achavam excluídas legalmente. Depois de terem reconhecido que elas
tinham alma, lhes reconheceram o direito à conquista dos graus da Ciência, o
que já é alguma coisa. Mas a sua libertação parcial é apenas resultado do
desenvolvimento da urbanidade, do abrandamento dos costumes ou, se quiserem, de
um sentimento mais exato da justiça; é uma espécie de concessão que lhes fazem
e, é preciso que se diga, que lhes regateiam o mais possível.
Hoje,
pôr em dúvida a alma da mulher seria ridículo; mas outra questão muito séria
sob outro aspeto, aqui se apresenta, e cuja solução só pode ser estabelecida se
a igualdade de posição social entre o homem e mulher for um direito natural, ou
uma concessão feita pelo homem. Notemos, de passagem, que se esta igualdade não
passar de uma concessão do homem por condescendência, aquilo que ele der hoje
pode ser retirado amanhã, e que tendo para si a força material, salvo algumas
exceções individuais, em massa ele sempre levará vantagem. Ao passo que se essa
igualdade estiver na Natureza, seu reconhecimento será o resultado do progresso
e, uma vez reconhecido, será imprescritível.
Teria Deus
criado almas masculinas e femininas, fazendo estas inferiores àquelas? Eis toda
a questão. Se assim fosse, a inferioridade da mulher estaria nos decretos
divinos e nenhuma lei humana poderá transgredi-los. Tê-las-ia, ao contrário,
criado iguais e semelhantes? Nesse caso as desigualdades, baseadas na
ignorância e na força bruta, desaparecerão com o progresso e o reinado da
justiça.
Entregue a si
mesmo, o homem não podia estabelecer a respeito senão hipóteses mais ou menos
racionais, mas sempre questionáveis. Nada no mundo poderia dar-lhe a prova
material do erro ou da verdade de suas opiniões. Para se esclarecer, seria
preciso remontar à fonte, pesquisar nos arcanos do mundo extracorpóreo, que não
conhece. Estava reservado ao Espiritismo resolver a questão, não mais pelos
raciocínios, mas pelos fatos, quer pelas revelações de além-túmulo, quer pelo
estudo que diariamente pode fazer sobre o estado das almas depois da morte. E,
coisa capital, esses estudos não são o fato nem de um só homem, nem das
revelações de um só Espírito, mas o produto de inúmeras observações idênticas, feitas
todos os dias por milhares de indivíduos, em todos os países, e que assim
receberam a sanção poderosa do controle universal, sobre o qual se apoiam todas
as doutrinas da ciência espírita. Ora, eis o que resulta dessas observações.
As
almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que os unem nada têm de carnal e,
por isto mesmo, são mais duráveis, porque fundadas numa simpatia real e não são
subordinadas às vicissitudes da matéria.
As
almas se encarnam, isto é, revestem temporariamente um envoltório carnal, para
elas semelhante a uma pesada vestimenta, de que a morte as desembaraça. Esse
invólucro material, pondo-as em contato com o mundo material, nesse estado elas
concorrem ao progresso material do mundo que habitam; a atividade a que são
obrigadas a desenvolver, seja para a conservação da vida, seja para alcançarem
o bem-estar, auxilia-lhes o avanço intelectual e moral. A cada encarnação a
alma chega mais desenvolvida; traz novas idéias e os conhecimentos adquiridos
nas existências anteriores. Assim se efetua o progresso dos povos; os homens
civilizados de hoje são os mesmos que viveram na Idade Média e nos tempos de
barbárie, e que progrediram; os que viverem nos séculos futuros serão os de
hoje, porém mais avançados, intelectual e moralmente.
Os sexos só
existem no organismo; são necessários àreprodução dos seres materiais. Mas os
Espíritos, sendo criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, razão
pela qual os sexos seriam inúteis no mundo espiritual.
Os
Espíritos progridem pelos trabalhos que realizam e pelas provas que devem
sofrer, como o operário se aperfeiçoa em sua arte pelo trabalho que faz. Essas
provas e esses trabalhos variam conforme sua posição social. Devendo os
Espíritos progredir em tudo e adquirir todos os conhecimentos, cada um é
chamado a concorrer aos diversos trabalhos e a sujeitar-se aos diferentes
gêneros de provas. É por isso que, alternadamente, nascem ricos ou pobres,
senhores ou servos, operários do pensamento ou da matéria.
Assim
se acha fundado, sobre as próprias leis da Natureza, o princípio da igualdade,
pois o grande da véspera pode ser o pequeno do dia seguinte e reciprocamente.
Desse princípio decorre o da fraternidade, visto que, em nossas relações
sociais, reencontramos antigos conhecimentos, e no infeliz que nos estende a
mão pode encontrar-se um parente ou um amigo.
É
com o mesmo objetivo que os Espíritos se encarnam nos diferentes sexos; aquele
que foi homem poderá renascer mulher, e aquele que foi mulher poderá nascer
homem, a fim de realizar os deveres de cada uma dessas posições, e sofrer-lhes
as provas.
A
Natureza fez o sexo feminino mais fraco que o outro, porque os deveres que lhe
incumbem não exigem igual força muscular e seriam até incompatíveis com a
rudeza masculina. Nela a delicadeza das formas e a finura das sensações são
admiravelmente apropriadas aos cuidados da maternidade. Aos homens e às
mulheres, são, pois, atribuídos deveres especiais, igualmente importantes na
ordem das coisas; são dois elementos que se completam um pelo outro.
Sofrendo o Espírito
encarnado a influência do organismo, seu caráter se modifica conforme as
circunstâncias e se dobra às necessidades e exigências que lhe impõe esse mesmo
organismo. Esta influência não se apaga imediatamente após a destruição do
envoltório material, assim como não perde instantaneamente os gostos e hábitos
terrenos. Depois, pode acontecer que o Espírito percorra uma série de
existências no mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, possa conservar,
no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher, cuja marca nele ficou
impressa. Somente quando chegado a um certo grau de adiantamento e de
desmaterialização é que a influência da matéria se apaga completamente e, com
ela, o caráter dos sexos. Os que se nos apresentam como homens ou como mulheres,
é para nos lembrar a existência em que os conhecemos.
Se essa
influência se repercute da vida corporal à vida espiritual, o mesmo se dá
quando o Espírito passa da vida espiritual à vida corporal. Numa nova
encarnação ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se for
avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado.
Mudando de sexo, sob essa impressão e em sua nova encarnação, poderá conservar
os gostos, as inclinações e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar.
Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos
homens e de certas mulheres.
Não
existe, pois, diferença entre o homem e a mulher, senão no organismo material,
que se aniquila com a morte do corpo; mas quanto ao Espírito, à alma, ao ser
essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.
Assim o quis Deus em sua justiça, para todas as suas criaturas. Dando a todas
um mesmo princípio, fundou a verdadeira igualdade. A desigualdade só existe temporariamente
no grau de adiantamento; mas todas têm direito ao mesmo destino, ao qual cada
uma chega por seu trabalho, porque Deus não favoreceu ninguém à custa dos
outros.
A doutrina
materialista coloca a mulher numa inferioridade natural, da qual só é elevada
pela boa vontade do homem. Com efeito, segundo essa doutrina, a alma não existe
ou, se existe, extingue-se com a vida ou se perde no todo universal, o que vem
a dar no mesmo. Assim, só resta à mulher a sua fraqueza corporal, que a põe sob
a dependência do mais forte. A superioridade de algumas não passa de uma
exceção, de uma bizarria da Natureza, de um jogo de órgãos, e não poderia fazer
lei. A doutrina espiritualista vulgar reconhece a existência da alma individual
e imortal, mas é impotente para provar que não há diferença entre a do homem e
a da mulher e, por conseguinte, uma superioridade natural de uma sobre a outra.
Com a Doutrina
Espírita, a igualdade da mulher não é mais uma simples teoria especulativa; já
não é uma concessão da força à fraqueza, mas um direito fundado nas próprias
leis da Natureza. Dando a conhecer essas leis, o Espiritismo abre a era da
emancipação legal da mulher, como abre a da igualdade e da fraternidade.
Revista Espirita, janeiro de 1866
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