Onde está a verdadeira desgraça?
VII – A Verdadeira Desgraça
DELPHINE
DE GIRARDIN
Paris,
1861
"Todos falam da desgraça, todos a experimentaram e julgam conhecer
o seu caráter múltiplo. Venho dizer-vos, porém, que quase todos se enganam,
pois a verdadeira desgraça não é, de maneira alguma, aquilo que os homens, ou
seja, os desgraçados, supõem. Eles a vêem na miséria, na lareira sem fogo, no
credor impaciente, no berço vazio do anjo que antes sorria, nas lágrimas, no
féretro que se acompanha de cabeça descoberta e coração partido, na angústia da
traição, na privação do orgulhoso que desejava vestir-se de púrpura e esconde
sua nudez nos farrapos da vaidade. Tudo isso, e muitas outras coisas ainda,
chamam-se desgraça, na linguagem humana. Sim, realmente são a desgraça, para
aqueles que nada vêem além do presente. Mas a verdadeira desgraça está mais nas
conseqüências de uma coisa do que na própria coisa.
Dizei-me se o mais feliz acontecimento do momento, que traz funestas
conseqüências, não é, na realidade, mais desgraçado que aquele inicialmente
aborrecido, que acaba por produzir o bem? Dizei-me se a tempestade, que
despedaça as árvores, mas purifica a atmosfera, dissipando os miasmas
insalubres que poderiam causar a morte, não é antes uma felicidade que uma
desgraça?
Para julgar uma coisa, é necessário, portanto, ver-lhe as conseqüências.
É assim que, para julgar o que é realmente feliz ou desgraçado para o homem, é
necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as
conseqüências se manifestam. Ora, tudo aquilo que ele chama desgraça, de acordo
com a sua visão, cessa com a vida e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-vos a desgraça sob uma nova forma, sob a forma bela e
florida que acolheis e desejais, com todas as forças de vossas almas iludidas.
A desgraça é a alegria, o prazer, a fama, a fútil inquietação, a louca
satisfação da vaidade, que asfixiam a consciência, oprimem o pensamento,
confundem o homem quanto ao seu futuro. A desgraça enfim, é o ópio do
esquecimento, que buscais com o mais ardente desejo.
Tendes esperanças, vós que chorais! Tremei, vós que rides, porque tendes
o corpo satisfeito! Não se pode enganar a Deus: ninguém escapa ao destino. As
provas, credoras, mais impiedosas que a malta que vos acossa na miséria,
espreitam o vosso repouso ilusório, para vos mergulhar de súbito na agonia da
verdadeira desgraça, daquela que surpreende a alma enlanguescida pela
indiferença e o egoísmo.
Que o Espiritismo vos esclareça,
portanto, e restabeleça sob a verdadeira luz da verdade e o erro, tão
estranhamente desfigurados pela vossa cegueira. Então, agireis como bravos
soldados que, longe de fugir ao perigo, preferem a luta nos combates arriscados,
à paz que não oferece nem glória nem progresso. Que importa ao soldado perder
as armas, o equipamento e a farda na refrega, contanto que saia vitorioso e
coberto de glória? Que importa, àquele que tem fé no porvir, deixar a vida no
campo de batalha, sua fortuna e sua veste carnal, contanto que sua alma possa
entrar, radiosa, no reino celeste?"
Livro "O Evangelho segundo o
Espiritismo", Cap. V, item 24
VIII - Redenção
1 - Quando redimiremos espiritualmente a nós mesmos?
- Redimiremos a nós mesmos, quando compreendermos, conscientemente,
ao preço do próprio raciocínio, que todos os sofrimentos decorrem das leis de
amor que governam a vida. Para isso, é indispensável entendamos que todos
vivemos subordinados ao princípio inelutável da reencarnação e que nos
reencarnaremos, na Terra ou em outros mundos, tantas vezes quantas se fizeram
necessárias, para que se nos edifique o aperfeiçoamento espiritual, seja diante
dos imperativos da evolução, que nos traçam inevitáveis labores educativos, ou
à frente dos encargos expiatórios que nos apontam graves tarefas de
recapitulação e corrigenda, para o expurgo da consciência culpada.
2 - Bastará apenas sofrer para que resgatemos os compromissos
adquiridos nas existências passadas?
- Se temos o coração aberto em feridas profundas, isso não basta; é
preciso transubstanciar as próprias dores em esperanças e ensinamentos.
3 - Basta apenas chorar para realizarmos o expurgo do coração?
- Às vezes, trazemos o semblante lavado de lágrimas, no entanto, o
desespero e a inconformação desmancham-se igualmente em pranto amargo; para
expurgar o mundo íntimo é mister valermo-nos da provação como recurso de
trabalho, para converter a tribulação em alegria e a dificuldade em lição.
4 - Basta apenas bendizer as mãos que nos ferem?
- Bendigamos as mãos que nos ferem. Imperioso, porém, nos dediquemos
a fazer algo a fim de que se renovem para o entendimento e para a prática do
bem, sob a inspiração dos bons exemplos que lhes pudermos ofertar.
5 - Basta apenas acreditar na verdade, sofrendo o escárnio dos que a
recusam?
- Dizemos a verdade e, não raro, riem de nós muitas vezes, só porque
isso aconteça, julgam-nos dispensados de trabalhar pela expansão de novas
luzes, quando a verdade reclama continuísmo de abnegação para que triunfe a
benefício de todos.
6 - Basta apenas recolher pedras de ingratidão?
- Recolher pedras de ingratidão por pétalas de carinho é heroísmo de
muitos. Multidões respiram nesse câmbio, estranho de padecimentos morais,
preferindo acomodar-se à hipnose da queixa. A ingratidão é sempre resultado da
ignorância e para que a ingratidãoalheia produza bênçãos redentoras em nós, é
necessário prosseguir plantando entendimento e fraternidade na terra seca da
incompreensão, de que muitos outros já desertaram.
7 - Para que nos purifiquemos, será suficiente acomodar-nos à tristeza
e a soledade, por que nos reclamem serviço demasiado à felicidade dos outros?
- Quase sempre exigimos o máximo dos outros na construção da nossa
felicidade, sem lhes darmos de nós o máximo na preservação da própria
segurança. Entretanto, em apoio de nosso burilamento, urge sustentar atividades
e encargos de sacrifício.
8 - Ainda para isso será suficiente que padeçamos o assédio da injúria?
- Caluniam-nos freqüentemente, no entanto, só pelo fato de sermos
apontados pelo dedo da injúria, isso não adianta ao aperfeiçoamento espiritual.
Impreterível usar compaixão e bondade, à frente daqueles que nos perseguem.
9 - Para que obtenhamos quitação, ante o pretérito culposo, bastará
experimentar agruras e provações no reduto doméstico, de ânimo sistematicamente
recolhido à rixa e ao mau humor?
- Em muitas circunstâncias, o lar é o cárcere dos nossos sonhos,
contudo, é útil recordar que vastas fileiras de criaturas se encontram na mesma
situação, agravando padecimentos e lutas pelo abandono das responsabilidades
que lhes competem. A regeneração pela qual ansiamos espera por nossa felicidade
aos compromissos assumidos, com a nossa disposição de arquivar planos de
ventura para quando a Divina Sabedoria nos proclame a libertação.
10 - A fim de que nos aperfeiçoamos, chegará viver sempre sob inquietações
aflitivas?
- Vergamo-nos sob o fardo de
inquietações opressivas, mas, para que essas inquietações nos sirvam ao
reajuste da alma, cabe-nos a obrigação de transforma-las em testemunhos de fé e
serviço ao próximo.
11 - Em favor do aprimoramento próprio, será suficiente arrepender-nos
dos erros e faltas cometidas?
- Convém notar que o reconhecimento dos próprios erros, perpetrados
nesse ou naquele setor da existência, é o primeiro passo da reabilitação, mas,
esse começo é empreendimento nulo se não resolvemos corrigir-nos com humildade
e paciÊncia, na execução dos deveres que a vida nos recomenda.
12 - É lícito contarmos com o auxílio dos Espíritos Superiores grandes
missionários da evolução moral na Terra para que nos apóiem no trabalho da
própria regeneração?
- Sim, vezes inúmeras, costumamos refletir nas grandes façanhas dos
Espíritos valorosos que transformaram a Terra... Acolheram-se à filosofia e
criaram novas formas de pensamento,; Abraçaram a ciência e exalçaram o
progresso; Elevaram-se na cultura e engrandeceram a arte; Agigantaram-se no
trabalho e aperfeiçoaram a vida; entretanto, reencarnaram-se entre os homens,
lavrando o solo, mecanizando atividades, burilando palavras, renovando
costumes, aprimorando leis, desbravando caminhos... Todos eles, cada qual a seu
modo, entregaram-nos as chaves da evolução, melhorando a vida por fora. No
íntimo, porém, seja nas horas tranqüilas da existência ou nas crises de aflição
que nos supliciem a alma, é forçoso lembrar que a redenção verdadeira nasce
dentro de nós."
Livro
"As Leis do Amor" de Chico Xavier e Emmanuel
Item 26
"Perguntais se é permitido abrandar a vossas provas. Essa
pergunta lembra estas outras: É permitido ao que se afoga procurar salvar-se? E
a quem se espetou num espinho, retirá-lo? Ao que está doente, chamar um médico?
As provas têm por fim exercitar a inteligência, assim como a paciência e a
resignação. Um homem pode nascer numa posição penosa e difícil, precisamente
para obrigá-lo a procurar os meios de vencer as dificuldades. O médico consiste
em suportar sem murmurações as conseqüências dos males que não se podem evitar,
em preservar na luta, em não se desesperar quando não se sai bem, e nunca em
deixar as coisas correrem, que seria antes preguiça que virtude.(...)
Vós, que deixais vossos toucadores perfumados para levar consolação
aos aposentos infectos; que sujais vossas mãos delicadas curando chagas; que
vos privais do sono para velar à cabeceira de um doente que é vosso irmão em
Deus; vós, enfim, que aplicais a vossa saúde na prática das boas obras, tendes
nisso o vosso cilício, verdadeiro cilício de bênçãos, porque as alegrias do
mundo não ressecaram o vosso coração. Vós não adormecestes no seio das
voluptuosidades enlanguescedoras da fortuna, mas vos transformastes nos anjos consoladores
dos pobres deserdados.
Mas vós que vos retirais do mundo para evitar suas seduções e viver
no isolamento,qual a vossa utilidade na Terra? Onde está a vossa coragem nas
provas, pois que fugis da luta e desertais do combate? Se quiserdes um cilício,
aplicai-o à vossa alma e não ao vosso corpo; mortificai o vosso Espírito e não
a vossa carne; fustigai o vosso orgulho; recebei as humilhações sem vos
queixardes; machucai vosso amor próprio; insensibilizai-vos para a dor da
injúria e da calúnia, mais pungente que a dor física. Eis aí o verdadeiro
cilício, cujas feridas vos serão contadas, porque atestarão a vossa coragem e a
vossa submissão à vontade de Deus."
Item 27
"Já vos
dissemos e repetimos, muitas vezes, que estão na terra de expiação para completarem
as vossas provas, e que tudo o que vos acontece é conseqüência de vossas
existências anteriores, as parcelas da dívida que tendes a pagar. Mas este
pensamento provoca em certas pessoas reflexões que devem ser afastadas, porque
podem ter funestas conseqüências.Pensam alguns que, uma vez que se está na
Terra para expiar, é necessário que as provas sigam o seu curso. Há outros que
chegam a pensar que não somente devemos evitar atenuá-las, mas também devemos
contribuir para torná-las mais proveitosas, agravando-as. É um grande erro.
Sim, vossas provas devem seguir o curso que Deus lhes traçou, mas acaso
conheceis esse curso? Sabeis até que ponto elas devem ir, e se vosso Pai
Misericordioso não disse ao sofrimento deste ou daquele vosso irmão: “Não irás
além disto?” Sabeis se a Providência não vos escolheu, não como instrumento de
suplício, para agravar o sofrimento do culpado, mas como bálsamo consolador,
que deve cicatrizar as chagas abertas pela sua justiça?
Não digais,
portanto, aos verdes um irmão ferido: “É a justiça de Deus, e é necessário que
siga o seu curso”, mas dizei, ao contrário: “Vejamos que meios nosso Pai
misericordioso me concedeu, para aliviar o sofrimento de meu irmão. Vejamos se
o meu conforto moral, meu amparo material, meus conselhos, poderão ajudá-lo a
transpor esta prova com mais força, paciência e resignação. Vejamos mesmo se
Deus não me pôs nas mãos os meios de fazer cessar este sofrimento; se não me
deu, como prova também, ou talvez como expiação, o poder de cortar o mal e
substituí-lo pela benção da paz”.
Auxiliai-vos
sempre, pois em vossas provas mútuas, e jamais vos encareis como instrumentos
de tortura. Esse pensamento deve revoltar todo homem de bom coração, sobretudo
os espíritas. Porque o espírito mais que qualquer outro, deve compreender a
extensão infinita da bondade de Deus. O espírita deve pensar que sua vida
inteira tem de ser um ato de amor e de abnegação, e que por mais que faça para
contrariar as decisões do Senhor, sua justiça seguirá o seu curso. Ele pode,
pois, sem medo, fazer todos os esforços para aliviar o amargor da expiação,
porque somente Deus pode cortá-la ou prolongá-la, segundo o que julgar a
respeito.
Não seria
excessivo orgulho, da parte do homem, julgar-se com o direito de revolver, por
assim dizer, a arma na ferida? De aumentar a dose de veneno para aquele que
sofre, sob o pretexto de que essa é a sua expiação? Oh!, considerai-vos sempre
como o instrumento escolhido para fazê-la cessar. Resumamos assim: estais todos
na Terra para expiar; mas todos, sem exceção, deveis fazer todos os esforços
para aliviar a expiação de vossos irmãos, segundo a lei de amor e
caridade."
"Quanto a vós,
pessoalmente, contentai-vos com as provas que Deus vos manda, não aumenteis a
carga já por vezes bem pesada; aceitai-as sem queixas e com fé, eis tudo o que
Ele(Deus) vos pede."
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